O Rapto
O recente rapto de 15 soldados britânicos em patrulha nas águas fronteiriças por parte do Irão nada têm de novo. Alias é uma velha técnica, já empregue por outros grandes baluartes da democracia mundial como a Coreia do Norte. Lá iremos...
O Irão face à escalada contra o seu programa nuclear entende periodicamente fazer raids específicos por maneira a ganhar dividendos políticos com isto. Acontece com a estratégia diplomática montade que têm sido um sucesso, conduzindo e apoiando no Iraque determinadas facções, num caminho sangrento para uma guerra civil, visando não só tirar os EUA daí, mas também implementar um estado vizinho mais simpático aos interesses de Teerão, com os avanços e recuos na ONU e com Agência Nuclear Internacional entre outras manobras, que incluem até patrocinar um Congresso Anti-Israel que certamente mereceu o aplauso de bastantes anti-semitas que se passeiam pela esquerda e direita portuguesa.
Continuando, já em 1979, no seguimento do golpe de Estado no Irão foram feitos refens alguns membros da legação diplomática americana por supostos "estudantes" islâmicos que eram contra o apoio americano ao Xá do Irão, maior aliado dos EUA naquelas partes do globo. Note-se que o pessoal diplomático goza de todas as imunidades legalmente estabelecidas, contudo durante 1 ano e uma desastrosa tentativa de resgate ordenada por Carter foram os refens mantidos em condições degradantes, a par de serem mostrados periodicamente para finalidades políticas, a moldes do que sucede hoje com os marinheiros britânicos. Reagan ao ganhar as eleições presidenciais de 1980 ao grande vendedor de amendoins Carter negociou secretamente a libertação dos refens. Parece estranho que um dirigente que pregou sempre que com terroristas não se negoceia o tenha realizado, contudo demonstra somente a habilidade deste, especialmente depois do desastre de Desert One que causou sérios dúvidas sobre uma operação que só poderia correr mal, pois foi mal planeada, conduzida com deficiente informação e piormente levada a cabo, sob uma tempestade de areia. Assim Reagan, antes de ser indigitado presidente consegiu libertar os refens através de concessões que hoje me escapam mas que à data causaram embaraço.
Ora Reagan, pagou de início um enorme preço político ao ver regressar os refens sem glória nem brilho. Contudo o amor com amor se paga e no mandato Reagan foram diversas vezes conduzidas campanhas contra os dirigentes do Irão pois o hábil presidente à data, tal como Bush não esquece uma desfeita. É neste contexto que Saddam Hussein é apoiado, não só pelo drama humano dos refens mas por ser um regime que soube aproveitar os ventos de Washington. Reagan aproveitou várias oportunidades para ajustar contas com Teerão, entre as quais se destaca a destruição de toda a marinha iraniana no dealbar das hostilidades da longa guerra Irão-Iraque. Continuando foram conduzidas operações militares contra navios iranianos ou para aí dirigidos, impondo um embargo de armas e a petroleiros iranianos.
Tudo isto para explicar ao bom leitor que manobras como o apresamento de tripulações ou pessoal diplomático são comumente empregues por Estados que o fazem para colher dividendos políticos. A coreia do Norte nos anos 60 apresou em águas internacionais e com bastante violência o Navio de vigilância electrónica Pueblo, pertença da marinha de guerra americana. Foram conduzidos julgamentos à soviética e durante algum tempo (2-3 anos julgo) foram os marinheiros sujeites a espancamentos e indignidades. Um episódio engraçado desta epopeia do Pueblo é o dos manguitos que os americanos mostravam habilmente quando sentados no banco dos reus e em todas as fotografias até certo período. Quando os norte coreanos descobriram devolveram a graça com um sovamento à Kim il Sung...
Esta manobra de Teerão é inteligente pois associa ainda mais Blair, já de saida ao Iraque, e condiciona fortemente o seu sucessor, Brown numa primeira fase e outro qualquer depois de eleições que se aproximam relativamente a estrégias de fundo. Mais ainda divide os ingleses sobre o Iraque mas também quando à forma como lidar com o rapto, uns pelo músculo outros pela diplomacia, aproveitando o fenómeno da divisão da opinião pública, um pouco como o Engenheiro Sócrates que cada vez que é acossado, discute ou manda discutir o estado da oposição. Hábeis estrategas de Teerão sabem que o rapto em circunstâncias como as actuais, na qual há uma enorme pressão interna para sair rapidamente do Iraque, esta atitude não unirá os ingleses mas antes os dividirá mais sobre o acto em si mas também quanto à questão de fundo.
Lamentando o destino actual dos marinheiros, resta somente falar do papel meramente instrumental destes nas hábeis manobras de paises que decidem raptar cidadãos para conduzir exclusivas manobras políticas que se assemelham mais a banditismo que à conduta minimamente aceite por estados que se dizem respeitadores e que exigem mesmo o respeito pelo direito internacional. Óbvio que os olharapos de sempre mantém um prudente silêncio e o assunto em Portugal sequer é discutido. Ao invés discutem-se coisas como os espectadores do rally de portugal, a ridícula tragicomédia da universidade independente ou o jogo de futebol do próximo fim de semana...