Recentemente teve o augusto autor a oportunidade de terminar a leitura de "The tsar's last armada" de Constantin Pleshakov, livro de leitura fácil e corrida que se devora em poucos dias, trata o mesmo da batalha dos estreitos de tsushima entre a armada Imperial Russa e a Armada Irmperial Japonesa. Ao contrário do que julgará o bom leitor, quer a batalha quer as suas consequências foram da maior importância para os eventos que se desenrolaram na primeira metade do século XX no Extremo Oriente e que tiveram o seu fim com a assinatura de paz entre o Japão e os EUA no convés do couraçado Missouri.
Confuso? Por partes iremos então. A épica batalha de Tsushima foi travada em Maio de 1905 entre o Japão e a Rússia, em disputa estava nada mais nada menos que a hegemonia militar e naval no Extremo Oriente a longo prazo. Outros intervenientes menores que tomaram parte directa neste conflito foram a Inglaterra e a França e, em menor importância a Alemanha.
O conflito de 1894 entre o Japão e a Rússia havia sido inconclusivo mas com vantagem para os russos, no seguimento do mesmo e em virtude de uma política expansionista à qual os historiadores chamaram "the Big Game" a Rússia vinha disputando na Àsia Central a supremacia política nesta zona com a Inglaterra, terrenos de disputa eram o Afeganistão, o Irão e demais zonas, ainda hoje quentes na arena mundial. Fruto da guerra da Crimeia e subsequentes conflitos entre a Turquia e a Rússia os Czares Romanovs haviam traçado planos de expansão para Este, deixando de ter como principal foco de tensão política a Europa Central, na qual firmada uma aliança formal com a França seria suficiente para manter a pressão sobre a recém criada Alemanha. O Big Game jogado na Ásia encontrou dois adversários de peso do lado russo, a Inglaterra com a sua poderosa talassocracia, maior império e frotas mundiais, ocupando a India e outras zonas do globo e o Japão, recém unificado também em 1868 pela dinastia Meiji que ainda hoje se mantém à frente do Reino, ao mesmo tempo que se tornava numa potência média mundial altamente industrializada, sofisticada e com apetites expansionistas.
Ficando de parte a disputa com a Inglaterra, era mais ou menos assente no princípio do século XX que emergeria um conflito entre a Rússia e o Japão. Prémios em jogo, a Coreia, a China e os mares do Oriente. Numa estratégia expansionista prosseguida desde 1880, completa a Rússia o caminho de Ferro trans-siberiano, alargando o império Romanov para além da Sibéria, até Vladivostock. Vladivostock no Kamtachaka mais oriental permite aos Russos estabelecerem uma base naval sólida que ameaça a navegação no Oriente. A Armada Russa é poderosa em comparação com a do Japão, embarcando em processos de construção avançados à data, na tradição de Catarina e Pedro o Grande. Problemas para o lado russo, vários, primeiro uma hostilidade quase belicosa com a maior marinha do Mundo, a Inglaterra e a pulverização da sua marinha entre vários mares, desde o mediterrâneo, ao báltico, passando pelo oceano Pacífico e mar do norte. Aliado ao seu gigantismo natural e problemas daí derivados, a Rússia era governada por um nepotismo corrupto que evitava que quer o exército quer a marinha fossem equipadas a rigor com desvios imensos pelas oligarquias reinantes. Um pouco como os dias soviéticos, um pouco como hoje, um pouco como sempre.
Demais problemas eram causados pro Vladivostock, fruto da sua localização os gelos invernais impossibilitavam a utilização deste porto durante parte do ano, confinando assim a frota e reduzindo a sua operabilidade. Neste contexto pratica a Rússia de Nicolau II uma política de anexações, incluindo Port Arthur na China. Resultado, o Japão não poderia tolerar uma base naval que ao mesmo tempo que ameaçava a navegação comercial entre o Japão e o continente asiático, seria sempre um espinho cravado nos seus recursos navais obrigando assim a pensar várias vezes a anexação da Coreia e da Manchúria fruto do extrordinário desenvolvimento do Japão pós 1868. Duas notas acerca do Japão, o milagra pós 1945 é comparável ao milagre pós 1868, contudo o primeiro marcou profundamente a política japonesa. A abertura do Japão fez-se como a da China, á lei da canhoneira, no caso japonês foram por ocidentais humilhados os japoneses. Não sendo profundamente conhecedor da cultura japonesa, é suma ofensa e caso de morte a humilhação de um oriental de forma a que este perca face. Nunca esquecem os orientais, muito embora de maneiras diferentes as humilhações provocadas por outros povos. No caso japonês era a par de uma cultura de modernização importando e copiando o melhor dos ocidentais uma desforra, o inimigo mais próximo e que mais ameaçava o Japão era a Rússia. Ao lançar-se para Port Arthur cometeu o Czar Nicolau II a imprudência de dar oportunidade ao Japão, firme aliado da Inglaterra para acertar as contas e definir quem sulcava as ondas do mar Amarelo.
Apanhando a armada oriental russa no porto o Almirante Togo procedeu a uma razia nos seus elementos mais fortes ao mesmo tempo que um golpe de sorte colocou fora de combate o navio almirante russo, matando o comandante da Frota, o Almirante Makarov.
Confinando a armada a Port Arthur foi colocado o mesmo sob cerco. Em São Petersburgo era tempo de vingança, Nicolau II tinha um ódio pessoal pelo Japão povo que considerava desprezivel para além de profundamente pagão, formou este uma frota de entre a fina flor de homens e navios da Armada Russa do mar do Báltico e Mediterrâneo. O Plano era simples, partindo de Kronstat, perto de São Petersburgo deveriam os navios sob o comando de Radzounsky(mal escrito), atravessar as 18.000 milhas até Port Arthur se ainda Russo ou Vladivostck de forma a daí se poderem lançar operações contra a navegação comercial e de guerra japonesa, ameaçando as ilhas do Japão e possessões ultramarinas. O almirante russo cujo nome é de dificil escrita não considerou o canal do Suez como alternativa visto o mesmo ser uma possessão inglesa, ao mesmo tempo que era uma zona proba a emboscadas e ataques nipónicos, a rota do Cabo foi a seguida pelo grosso da frota.
Numa odisseia plena de périplos e peripécias chegam os russos a Tsushima, a meras 2.500 milhas de Vladivostock, port arthur havia entretando caído, numa batalha sangrenta e violenta a frota russa é novamente batida, fruto da longa viagem e de uma multiplicidade de factores, bem como um tiro de sorte japonês no Suvarov, navio almirante russo. A pontaria não era o forte de ambas as esquadras, contudo graças a um projéctil superior, com 4 vezes a carga explosiva que os russos os japoneses conseguem reduzir a frota russa a picado.
Blá Blá Blá, para não aborrecer o bom leitor, que já de si o deve estar enjoado de tanta navegação, Tsushima marcou o ponto de viragem no Oriente, em breves anos tornar-se-ia o Jap~~ao a primeira potencia marítima e militar da zona, a China era demasiado fraca, a Inglaterra teria poucos interesses para além de Hong Kong, o Japão moderno e forte, vencera pela primeira vez os ocidentais, debelando humilhações e aguçando os seus apetites expansionistas, Coreia e Manchúria seguir-se-iam. Como não existem vazios em política mundial confinou-se o Japão entre daus potências anglófobas, a Inglaterra, ocupando a india, australia, Singapura entre outras e os EUA. Estava lançada a semente para Pearl Harbour e Nagasaki.
Moral da história, vários que o bom leitor retirará, certamente nós apenas que a história é do mais interessante que existe não apenas porque se repete mas também pelas lições que daí se retiraram, nomeadamente que é necessária uma estratégia política e militar de contenção da China, a realizar precisamente pelo Japão, Índia, Rússia e Austrália de forma a evitar desejos belicosos e expansionistas, é a luz destes prismas que deve ser vista a estratégia Bush para a Coreia do Norte e para a China, dai ser fundamental concertar esforços e diversificar entre a Índia e a China, não apostando tudo no mesmo cavalo. A China é fácil de conter se todos a realizarem um pouco, alias a contenção é uma necessidade inquestionável e que surge pela mão invisivel da política e do poder. Esquivos e inteligentes os Chineses entendem que o jogo é a longo prazo, alias iludam-se os que pensam a 4 ou 10 anos, o jogo é a 40 ou 80 anos, so a este prazo poderá a China ser uma ameaça real, hoje é ainda um tigre de papel, com garras atómicas obviamente.
Terminando num mundo que se quer multipolar a estratégia do equilíbrio dos poderes é tão actual como na Europa do século XIX ou antes mesmo. Curiosamente mudam as armas e o progresso, os intervenientes e as políticas, as democracias e outros regimes contudo as regras do poder puro e duro, não obstante a codificação dos tratados ou as retóricas diferentes, são sempre as mesmissimas, seja a arte da guerra do Sun tzu ou o Principe de Maquiavel, seja a boa vontade yankee, o espírito de britishness, o liberalismo e o comunismo ou outra coisa qualquer... è por isso que a história é interessante, os missionarios de bruxelas ou outros podem exportar boa vontade mas não iludem os ventos da história que ora sopram de feição ora destroiem impérios. Enfim... só não vê quem não quer... Nos por cá temos poucas ilusões pois como diz o outro, negócios são negócios!